"....Para que tudo se encaixe na nossa vida, além do “saber ser” é preciso desenvolver o “saber saber”, de modo a que as pessoas vendo e pensando noutras realidades, possam adoptar um outro “saber fazer”. ..."
Olá amigos
Como não sei o que andam os adultos a dizer das crianças, nem vou tentar adivinhar. A minha mãe diz que a adivinhação dá muito lucro, mas como eu não preciso ainda de muito dinheiro, basta que os meus pais possam ganhar o suficiente para me vestir, comer e estudar, eu já acho que a vida não é tão má. Desde que não fiquemos doentes como a Fatinha esteve, já podemos andar de cara alegre.
Ontem o meu irmão mais velho, que anda na universidade, quando estava a ver as notícias na televisão acerca do trabalho para repor os estragos provocados pela chuva, notou que estavam seis funcionários num local e só dois ou três é que trabalhavam. Disse logo que é por isso, que os senhores que sabem muito, informam que Portugal tem muito baixa produtividade. E que os Portugueses quando estão a trabalhar no estrangeiro, são dos melhores do mundo, só porque estão bem geridos. Deve ser exagero com certeza.
Aí a minha mãe que também sabe muito, comentou que em Portugal durante muitos anos ouve uns senhores que se preocuparam muito connosco, mas que deram demasiada importância ao “saber ser “ e por isso o país ficou parado no tempo. Parece que o importante era saber estar na vida. Aquilo a que uns senhores muito estudiosos chamam de “saber ser”. Assim, ficamos atrasados em relação à Europa pelo menos trinta anos. Eu não entendi, mas ela continuou:
- Para que tudo se encaixe na nossa vida, além do “saber ser” é preciso desenvolver o “saber saber”, de modo a que as pessoas vendo e pensando noutras realidades, possam adoptar um outro “saber fazer”, sempre que for necessário.
E continuou:
-Quando veio a “liberdade”, nós estávamos já tão atrasados que a quantidade de pessoas bem formadas, não chegou para impedir erros como o de acabar com as escolas politécnicas.
Eu não sei o que isso era, mas a minha mãe tentou explicar-me que ela ao ter andado numa dessas escolas, ficou com preparação para “saber fazer”. Só que pouco tempo depois já toda a gente queria ser doutor, para não ter que fazer as coisas mais difíceis e menos vistosas, …disse ela. E para ganhar mais dinheiro do que os outros, …disse eu.
-Esse é que foi o erro. Deu-se demasiada importância ao “saber saber”, e voltou-se a esquecer as outras duas partes.
Voltei a ficar confusa. Ela que tem muita paciência, que até nem parece um adulto, voltou a dar um exemplo.
-Olha, eu no meu trabalho, consegui com muito esforço, manter uma equipe de trabalho unida, esforçada, produtiva e que era muito considerada dentro da empresa. O senhor director, como sabia que outras áreas podiam evoluir no mesmo sentido, contratou uns subdirectores. Só que afinal, essas pessoas não tinham sido formadas naqueles três princípios de que te falei. Pouco tempo depois estavam a tentar mudar a nossa equipe para os mesmos moldes das outras secções. Os métodos não levavam em conta a natureza humana, nem princípios de justiça liberdade e responsabilidade. O resultado é que passamos a trabalhar muito mais, a produzir muito menos e a ficar cansados e doentes. Agora o director nem sabe como resolver.
Por isso é que andam uns senhores a tentar mudar o ensino para ficar ajustado a Bolonha, …que eu também não sei o que é.
Mas a minha mãe foi logo buscar outro exemplo.
-Se eu quando tinha a tua idade não tivesse que ir trabalhar como quase todos os meninos, pois os pais ganhavam muito pouco, havia muita fome, não tinha-mos que vestir e calçar. Faltavam estradas ruas e caminhos. Faltavam pontes, escolas, casas, transportes rápidos e mais baratos. Faltavam os empregos onde se ganhasse com mais justiça. Os hospitais eram muito mal equipados e não tinham pessoal especializado. Se tudo isso fosse um pouco diferente eu tinha continuado a estudar para adquirir aquela parte do “saber saber”. Mas não. Tive que olhar pelo gado. Cozinhar. Cuidar da casa, das roupas e depois ainda ajudar nas tarefas dos adultos, sem sequer poder brincar ou estudar. Deste modo, hoje com quase cinquenta anos, ando na universidade, para ter um canudo que garanta que eu também tenho o “saber saber”, e não fique dependente das asneiras duns tantos espertos, porque puderam beneficiar da democracia e já se esqueceram que há um outro saber, o “saber ser”.
Mas como esta é uma complicação dos adultos, eu já os estou a ouvir que agora não há empregos, que não há casas, que as estradas têm portagens, que os hospitais estão a ser fechados e por aí adiante.
Mas mesmo assim a minha mãe diz que esse adultos ou viviam tão bem que agora tem saudades daquilo que perderam ou são tão limitados que já nem sabem o que lhes aconteceu ontem.
Eu só sei que o ano passado uma priminha que nasceu e é saudável, ia morrendo na barriga da mãe porque os doutores que trabalhavam na maternidade, não fizeram a sua obrigação e se não fosse outro médico conhecido doutra cidade, ela teria morrido. Só que para isso teve de ir para outro hospital por iniciativa da mãe. Se calhar o governo soube desse caso e dos outros que eu não conheço e mandou fechar esse hospital, onde certos profissionais não se esforçavam o suficiente para os doentes terem que ir aos seus consultórios. Eu já nem sei muito bem de quem é a culpa.
Por hoje chega de conversa da treta.
Joana das Beiras
Olá amigos
Como não sei o que andam os adultos a dizer das crianças, nem vou tentar adivinhar. A minha mãe diz que a adivinhação dá muito lucro, mas como eu não preciso ainda de muito dinheiro, basta que os meus pais possam ganhar o suficiente para me vestir, comer e estudar, eu já acho que a vida não é tão má. Desde que não fiquemos doentes como a Fatinha esteve, já podemos andar de cara alegre.
Ontem o meu irmão mais velho, que anda na universidade, quando estava a ver as notícias na televisão acerca do trabalho para repor os estragos provocados pela chuva, notou que estavam seis funcionários num local e só dois ou três é que trabalhavam. Disse logo que é por isso, que os senhores que sabem muito, informam que Portugal tem muito baixa produtividade. E que os Portugueses quando estão a trabalhar no estrangeiro, são dos melhores do mundo, só porque estão bem geridos. Deve ser exagero com certeza.
Aí a minha mãe que também sabe muito, comentou que em Portugal durante muitos anos ouve uns senhores que se preocuparam muito connosco, mas que deram demasiada importância ao “saber ser “ e por isso o país ficou parado no tempo. Parece que o importante era saber estar na vida. Aquilo a que uns senhores muito estudiosos chamam de “saber ser”. Assim, ficamos atrasados em relação à Europa pelo menos trinta anos. Eu não entendi, mas ela continuou:
- Para que tudo se encaixe na nossa vida, além do “saber ser” é preciso desenvolver o “saber saber”, de modo a que as pessoas vendo e pensando noutras realidades, possam adoptar um outro “saber fazer”, sempre que for necessário.
E continuou:
-Quando veio a “liberdade”, nós estávamos já tão atrasados que a quantidade de pessoas bem formadas, não chegou para impedir erros como o de acabar com as escolas politécnicas.
Eu não sei o que isso era, mas a minha mãe tentou explicar-me que ela ao ter andado numa dessas escolas, ficou com preparação para “saber fazer”. Só que pouco tempo depois já toda a gente queria ser doutor, para não ter que fazer as coisas mais difíceis e menos vistosas, …disse ela. E para ganhar mais dinheiro do que os outros, …disse eu.
-Esse é que foi o erro. Deu-se demasiada importância ao “saber saber”, e voltou-se a esquecer as outras duas partes.
Voltei a ficar confusa. Ela que tem muita paciência, que até nem parece um adulto, voltou a dar um exemplo.
-Olha, eu no meu trabalho, consegui com muito esforço, manter uma equipe de trabalho unida, esforçada, produtiva e que era muito considerada dentro da empresa. O senhor director, como sabia que outras áreas podiam evoluir no mesmo sentido, contratou uns subdirectores. Só que afinal, essas pessoas não tinham sido formadas naqueles três princípios de que te falei. Pouco tempo depois estavam a tentar mudar a nossa equipe para os mesmos moldes das outras secções. Os métodos não levavam em conta a natureza humana, nem princípios de justiça liberdade e responsabilidade. O resultado é que passamos a trabalhar muito mais, a produzir muito menos e a ficar cansados e doentes. Agora o director nem sabe como resolver.
Por isso é que andam uns senhores a tentar mudar o ensino para ficar ajustado a Bolonha, …que eu também não sei o que é.
Mas a minha mãe foi logo buscar outro exemplo.
-Se eu quando tinha a tua idade não tivesse que ir trabalhar como quase todos os meninos, pois os pais ganhavam muito pouco, havia muita fome, não tinha-mos que vestir e calçar. Faltavam estradas ruas e caminhos. Faltavam pontes, escolas, casas, transportes rápidos e mais baratos. Faltavam os empregos onde se ganhasse com mais justiça. Os hospitais eram muito mal equipados e não tinham pessoal especializado. Se tudo isso fosse um pouco diferente eu tinha continuado a estudar para adquirir aquela parte do “saber saber”. Mas não. Tive que olhar pelo gado. Cozinhar. Cuidar da casa, das roupas e depois ainda ajudar nas tarefas dos adultos, sem sequer poder brincar ou estudar. Deste modo, hoje com quase cinquenta anos, ando na universidade, para ter um canudo que garanta que eu também tenho o “saber saber”, e não fique dependente das asneiras duns tantos espertos, porque puderam beneficiar da democracia e já se esqueceram que há um outro saber, o “saber ser”.
Mas como esta é uma complicação dos adultos, eu já os estou a ouvir que agora não há empregos, que não há casas, que as estradas têm portagens, que os hospitais estão a ser fechados e por aí adiante.
Mas mesmo assim a minha mãe diz que esse adultos ou viviam tão bem que agora tem saudades daquilo que perderam ou são tão limitados que já nem sabem o que lhes aconteceu ontem.
Eu só sei que o ano passado uma priminha que nasceu e é saudável, ia morrendo na barriga da mãe porque os doutores que trabalhavam na maternidade, não fizeram a sua obrigação e se não fosse outro médico conhecido doutra cidade, ela teria morrido. Só que para isso teve de ir para outro hospital por iniciativa da mãe. Se calhar o governo soube desse caso e dos outros que eu não conheço e mandou fechar esse hospital, onde certos profissionais não se esforçavam o suficiente para os doentes terem que ir aos seus consultórios. Eu já nem sei muito bem de quem é a culpa.
Por hoje chega de conversa da treta.
Joana das Beiras
PS: A Joana das Beiras é uma menina de onze anos e que frequenta o5º ano. Tem muita dificuldade em entender os adultos, mas quer aprender muito mais. Encontrou na Internet a Fatinha Alentejana, que embora sendo mais nova, parece que já tem mais experiência com os adultos. Actualmente está proibida de escrever para o sitio onde encontrou a Fatinha, mas vai tentar deixar aqui as suas cartas.
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