VIAGEM AO PODER

Friday, July 11, 2008

O FERROLHO

—Senhorrrr!!! … Senhorrr!!! … SENHOR D. QUIXOTE … parai que preciso comunicar-vos… e meu folgo já não aguenta tanta pressa, - (murmurou baixinho), … — Senhor …eu… - era Sancho Pança que corria ofegante atrás de seu amo e senhor. Corria…é forma de dizer… mais não era que o sentido de escudeiro fiel, já que sua perna curta e barriga “contida”, não ajudavam em nada.

— Que sucedeu meu bom aio? …Que sucedeu? Porquê tanto alarido? Porventura estamos a ser atacados novamente?
Indagou D. Quixote perante tanta pressa. Ou seria tamanho susto (pensou ele)? O ar de caso não era para menos. Não seria sem uma boa razão que Sancho largava a companhia do seu prestimoso “cavalo”, para seguir apeado a seu amo. Bem, não seria propriamente um grande “cavalo”, mas sempre era uma montada!

— Senhor, estamos a ser invadidos! Nossa praça foi tomada! Depressa …temos que fazer alguma coisa!
— A ser invadidos? Quem tal ousou? Quem se atreveu a quebrar a nossa PAZ? … - mas, pensando rápido e conhecendo o alarmismo do seu servidor, perguntou logo com ar sério:
— Onde? Mostrai-me que JÁ LHES DIGO!!!!... - e após uma breve pausa, lá veio toda a informação necessária ao entendimento.
— Pela muralha do “castelo” SENHOR. O fosso está atulhado. Devem ter atravessado lá e subiram a muralha, pois há cordas nas ameias. …- todos nós trememos! — É preciso trocar o ferrolho do “castelo”!... - e dizia tudo isto, com voz assustada, tremula mesmo, … convicto do perigo que o “reino” corria. Era seu dever contar tudo, mostrar a seu amo que os perigos estavam lá. Aí, D. Quixote, percebeu que deveria haver pelo menos duas “invasões”. Parou, mandou Sancho Pança sentar-se também e indagou:

— Mas afinal, entraram pela muralha ou pela porta do “castelo”? - perguntou olhando-o nos olhos.
— Não sei Senhor. Mas é preciso mandar mudar as portas do “castelo”…não são as portas Senhor… - emendou Sancho, — É o ferrolho. Alguém deve ter enganado os guardas, ou roubadas as chaves ao carcereiro, não sei…temos que ser breves senhor. A nossa praça corre grandes perigos!
— Como podemos Sancho? Tu és testemunha. Se nem os viveres que D. Dulcineia nos manda diariamente conseguem atravessar o “cerco”? Como podemos fazê-lo?
Aí, …Sancho, velha raposa matreira, sorriu a seu amo, pois conhecia bem “o inimigo” e segredou-lhe que não se preocupasse. Sabia duma maneira para resolver a contenda, sem pôr em perigo a vida de ninguém. Muito menos a sua, está bom de ver. Estava também ansioso por recolher a casa (…ou seria à sua estalagem?) e dormir na paz dos anjos. Nem ele estava bem certo. Mas ficou combinado. Haveria de fazer tudo para livrar seu amo de mais uma luta com os gigantes, subindo montes e vales.
Não foi naquele dia, mas pouco depois a revolta estava dominada. O controlo da praça-forte, fora restabelecido, os guardas continuaram a verificar a passagem, os vestígios de violência nas amuradas foram apagados, as ordens eram cumpridas, o almirantado voltou a dormir tranquilo.
Tão simples! Bastou de facto mudar o ferrolho! Coisa fácil e afinal barata. Nem os meios faltaram graças à intervenção sábia de Sancho. …Tudo estava bem (…pelo menos assim parecia).
Mas, algum tempo decorrido, soou novo alarme na praça. Só que desta vez, já não era Sancho o arauto da desgraça, era o próprio D. Quixote. Como tal, a noticia correu célere, ou melhor, Sancho correu célere para saber o que tanto abespinhara seu amo. Então não é que os generais, haviam levado ao conhecimento de D. Quixote, que os “cavalos dos inimigos”, afinal, continuavam a entrar na praça-forte, mesmo depois de ter sido mudado o ferrolho?
— Sancho, como é possível que continuemos a ser invadidos?
— Como assim senhor? Eu próprio mudei, tranquei, experimentei …Senhor, só não rastejei por baixo da porta do “castelo”! Fiz tudo o que sabia para defender esta praça. Acreditai-me… por quem sois Senhor!
Mais uma vez alguém conspirara para deixar Sancho mal visto aos olhos atentos de D. Quixote, (só havia tal explicação…). Sancho Pança não lhes haveria de perdoar a desfaçatez.


PS.: Qualquer semelhança com a realidade é pura ficção
Porto 2005

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